A volta ao presencial em 2024: retorno ao escritório e tensão entre chefia e funcionários marcam o ano
Na disputa entre a volta ao escritório, exigida pelas lideranças, versus a flexibilidade dos modelos remoto e híbrido, estimada por boa parte dos funcionários, tem se saído vencedor quem tem o poder. Em 2024, grandes empresas pressionaram pela volta ao trabalho presencial, inclusive com ameaça de demissão ou perda de oportunidades.
O movimento começou com a IBM, em janeiro. A empresa passou a exigir que gerentes nos EUA trabalhassem presencialmente pelo menos três dias por semana, ou “se separassem” da empresa.
No mesmo mês, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), empresários também se pronunciaram a favor do presencial. Um deles foi Nicolas Hieronimus, CEO da L'Oréal, segundo quem os trabalhadores remotos “não têm absolutamente nenhum apego, paixão ou criatividade”.
Em março, foi a vez da Dell deixar suas regras mais rígidas: funcionários que optarem por permanecer em trabalho remoto todos os dias da semana não estarão aptos para mudanças de trabalho ou mesmo para disputar promoções, segundo comunicou a empresa.
Em setembro, a Amazon anunciou o fim do trabalho remoto e híbrido, e informou que seus funcionários corporativos deverão retornar aos escritórios cinco dias por semana a partir de 2 de janeiro de 2025.
Em outubro, a rede de cafeterias Starbucks informou aos funcionários corporativos nos EUA que eles podem ser demitidos caso não compareçam ao escritório três dias por semana.
O diretor da Sanofi, em novembro, declarou que equipes trabalhando remotamente "perdem a serendipidade para inovar" – uma referência à importância dos encontros casuais, que estimulam novas ideias.
O movimento, porém, foi acompanhado por debates acalorados, expondo desafios culturais, de liderança e produtividade, além de tensões crescentes entre gestores e colaboradores.
Vantagens do remoto ou híbrido
Especialistas insistem que, para os profissionais que passam a maior parte do dia em frente a uma tela de computador, o trabalho híbrido e remoto não pode ser simplesmente eliminado. Anos de dados pós-pandemia demonstraram que o trabalho híbrido e remoto funciona. Pesquisadores concluíram que os profissionais mantêm sua produtividade e podem ajudar as empresas a ter lucro. E existem também fatores intangíveis que desenvolvem a lealdade dos funcionários, como o melhor equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho.
Um bom exemplo: novos dados sugerem que trabalhadores em home office estão aproveitando o tempo economizado com a ausência de deslocamento para dormir mais.
Um estudo divulgado em junho apontou que colaboradores remotos apresentam alta produtividade em tarefas específicas, desafiando o argumento de que o retorno ao escritório é sempre sinônimo de melhores resultados.
Um motivo frequentemente mencionado para justificar o trabalho presencial é que ele ajuda a incentivar a conexão da equipe. Há dados, no entanto, que mostram que a quantidade de dias de comparecimento ao escritório não apresentam correlação direta com esse sentido de conexão.
O que dizem os CEOs
Alguns CEOs de grandes empresas entrevistados por Época NEGÓCIOS em novembro, durante a premiação do anuário Época NEGÓCIOS 360°, apontaram como vantagem do trabalho totalmente remoto a possibilidade de atrair talentos de fora dos grandes centros, como São Paulo.
Porém, outros destacaram como principal desvantagem do trabalho remoto ou híbrido a perda de cultura da empresa. Um exemplo é a CPFL, explica o CEO, Gustavo Estrella. “Após a pandemia, a gente teve uma perda de cultura grande com o trabalho híbrido. Por isso, a gente achou melhor todo mundo voltar ao presencial”, disse.
“Nós estamos sentindo que há uma perda de cultura quando você fica muito no formato híbrido ou no online”, afirma Daniela Manique, CEO da Rhodia. “Portanto, aos poucos, estamos tentando trazer as equipes [ao presencial] para que a cultura volte a ficar mais forte dentro da empresa.”
A perda de cultura durante o trabalho 100% remoto também foi sentida por João Paulo Ferreira, CEO da Natura. “Muito das nossas crenças, da forma de tomar decisão, da forma de trabalhar, é aprendido por meio de observação. Não há manual que possa transmitir exatamente como as nossas visões são aplicadas na prática”, diz Ferreira.
Especialista questiona modelo antigo de liderança
A resistência ao modelo híbrido muitas vezes reflete práticas enraizadas de microgerenciamento dos líderes, na avaliação de Marcelo Graglia, professor e pesquisador da PUC-SP. “Há lideranças acostumadas ao controle detalhado e com pouca habilidade para gerenciar por entregas. Fora de um contexto presencial, essas lideranças não conseguem estabelecer novas formas eficientes de controle.”
O especialista afirma que as falhas de produtividade, por exemplo, não estão necessariamente ligadas ao modelo híbrido. “A razão pode não ser o modelo em si, mas a falta de habilidade de gerenciar adequadamente as equipes”. Para ele, cabe às lideranças identificar os perfis adequados e estabelecer novas métricas de entrega.